Autocomposição e infraestrutura: Comitê CRD-INFRA lançado este ano pelo CNJ pode diminuir a litigiosidade e trazer ganhos ao setor, mas ainda merece aprimoramentos
Por Bruna Ramos Figurelli
Dentro de um contexto de evolução e efetiva operacionalização de métodos alternativos de solução de conflitos no âmbito da Administração Pública, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Portaria n° 142, de 29.04.2022, criou o chamado ‘Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (CRD-Infra)’.
A atuação do CRD-Infra está subordinada à Presidência do CNJ e tem como objetivo essencialmente prover “o tratamento adequado de conflitos judiciais referentes a projetos qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)” (artigo 1°) – que são aqueles projetos previstos na Lei n° 13.334/2016, quais sejam: (i) os empreendimentos públicos de infraestrutura em execução ou a serem executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta e indireta da União; (ii) os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; (iii) as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização; e (iv) as obras e os serviços de engenharia de interesse estratégico.
No lançamento do CRD-Infra, em abril deste ano, o Ministro Luiz Fux, então presidente do CNJ, destacou a realidade de grandes obras de infraestrutura que sofrem com paralisações e entraves no bojo de demoradas e complexas discussões judiciais, de modo que a resolução de controvérsias de forma consensual deveria ser enxergada como prioridade.
Buscando mitigar de forma ampla os prejuízos e riscos que derivam de tal cenário, um dos “considerandos” da Portaria n° 142, inclusive, indica que a premissa da solução célere e eficaz dos conflitos nasceu com o setor de transportes, mas que deve ser expandida de forma a abarcar todos os demais setores da infraestrutura nacional.
Entenda como os casos são submetidos e analisados pelo CRD-Infra
Assim, nos termos da referida portaria, um caso concreto poderá ser submetido ao CRD-Infra por indicação de ofício do Presidente do CNJ ou mediante solicitação exclusiva do Ministro de Estado responsável pelo projeto, após manifestação da Advocacia Geral da União acerca da sua pertinência (artigo 2°). Recebida a solicitação de resolução de uma disputa no âmbito do CRD-Infra, o Presidente do CNJ analisará sua viabilidade e decidirá sobre a atuação (artigo 2º, § 3º), sendo possível que, a fim de obter auxílio na tomada de decisão, convide especialistas e órgãos envolvidos na disputa, como, por exemplo, Ministérios de Estado, Tribunal de Contas da União, Conselho Nacional do Ministério Público, Advocacia Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil (artigo 3º).
Formado o comitê, suas atribuições envolvem, basicamente, identificar os métodos adequados de resolução dos conflitos; estabelecer comunicação e cooperação com os órgãos envolvidos em cada conflito, dando-se tratamento personalizado; solicitar pareceres técnicos dos órgãos convidados pelo comitê para a tomada de decisão sobre as estratégias a serem adotadas; estabelecer um diálogo permanente com as autoridades judiciais com competência nos feitos apreciados (artigo 4º). Obtida a autocomposição entre as partes, estabelece ainda a Portaria n° 142 que os termos serão informados ao juízo competente para homologação judicial (artigo 5º, § 3º).
Não há dúvidas que a criação do CRD-Infra representa mais um passo importante a fim de otimizar a relação dos parceiros públicos e privados e, de alguma forma, buscar agilizar o alcance de soluções a disputas envolvendo contratos públicos de infraestrutura – conflitos esses que, ao cabo, prejudicam os interesses/direitos não apenas daqueles diretamente envolvidos, mas de toda a sociedade.
Nada obstante, mesmo sem perder de vista que o instrumento tem uma aplicação ainda muito recente, algumas observações já podem ser feitas. A primeira (e principal) crítica que merece ser levantada diz respeito à lacuna deixada pela portaria quanto à possibilidade de o próprio particular indicar um caso concreto ao CRD-Infra. A Portaria n° 142, em seu artigo 2º, restringe tal faculdade apenas ao Presidente do CNJ (de ofício) e aos Ministros de Estado (mediante solicitação dirigida ao próprio Presidente do CNJ), limitação essa que, além de representar uma explícita afronta à isonomia, certamente caminha na contramão de um dos pilares da criação desse comitê, que é justamente a garantia de uma maior segurança jurídica às relações.
O texto também parece merecer maior detalhamento no que se refere aos limites da atuação, no bojo do CRD-Infra,de órgãos de controle como o Conselho Nacional do Ministério Público e o Tribunal de Contas da União: o artigo 3º, incisos VII e IX, estabelece que esses órgãos poderão ser convidados para contribuir na tomada de decisões e o artigo 4º, inciso IV, menciona que o CRD-Infra poderá solicitar pareceres técnicos a esses órgãos, mas a portaria não estabelece o alcance dessas contribuições, como, por exemplo, se esses pareceres serão “vinculantes” para a definição de uma possível autocomposição ou se serão meramente opinativos, privilegiando-se a consensualidade entre as partes.
Enfim, como dito, o instrumento é de fato ainda muito novo e certamente precisa de tempo para amadurecer e mostrar, na prática, seus ganhos e pontos de ajustes – tudo isso, é claro, sem desmerecer seu altamente válido e necessário objetivo final, que, como se vê, é contribuir para o diálogo entre os entes públicos e privados que protagonizam e capitaneiam os projetos de infraestrutura em andamento no país.
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