28/02/23 Direito D&C

Comentários iniciais sobre o recém instituído procedimento de Solicitação de Solução Consensual

TCU e a solução consensual de controvérsias 

Em mais uma sinalização em prol do aprimoramento da sistemática dos métodos alternativos de solução de conflitos no âmbito da Administração Pública, o Tribunal de Contas da União (TCU), no final de 2022, publicou a Instrução Normativa nº 91 , que instituiu “procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal”. 

Segundo a Instrução, os procedimentos voltados para a solução consensual serão conduzidos por meio do processo de Solicitação de Solução Consensual (SSC), que poderá ser instaurado a pedido (i) das autoridades com legitimidade para formular consultas ao TCU (art. 264 do Regimento Interno da Corte); (ii) dos dirigentes máximos das agências reguladoras; e (iii) do relator de processos em trâmite no TCU. 

A tramitação da SSC 

Para ser apresentada, a SSC deve conter alguns elementos mínimos como a indicação do objeto da tentativa de solução consensual, com discriminação da materialidade do risco e relevância da situação; pareceres técnico e jurídico sobre a controvérsia; indicação de eventuais outros órgãos e entidades da administração pública envolvidos. Importante ressaltar que a norma afasta a abertura de SSC para tratar de casos em que haja decisão de mérito no TCU sobre o objeto da busca de solução consensual. 

Após a análise prévia da admissibilidade da Solicitação pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), o presidente do TCU decidirá sobre a conveniência e a oportunidade de sua tramitação, levando em consideração a relevância e a urgência da matéria, a quantidade de processos de SSC em andamento e a capacidade operacional do próprio TCU para atuar nesses processos. 

Admitido o processo, sua condução será feita por uma comissão – a Comissão de Solução Consensual (CSC) –, formada por um servidor da SecexConsenso, por um representante da unidade de auditoria responsável pela matéria e, ainda, um representante de cada órgão ou entidade da administração pública federal que tenha solicitado a solução consensual ou manifestado interesse na solução.  

Constituída a CSC, os membros terão o prazo de 90 dias para elaborar uma proposta de solução, sendo possível a prorrogação de tal prazo por 30 dias, a critério do presidente do TCU. A Instrução Normativa ainda estabelece a necessidade da oitiva prévia do Ministério Público junto ao TCU acerca da proposta. 

Na sequência, a proposta de solução é distribuída a um novo relator e, então, submetida ao Plenário do TCU, que poderá sugerir alterações na proposta, acatá-la ou recusá-la. Caso não haja concordância dos envolvidos com as sugestões propostas, o processo de SSC será arquivado. Havendo a aprovação da solução, sua formalização ocorrerá por meio de termo a ser firmado entre o presidente do TCU e o dirigente máximo dos órgãos e entidades envolvidos, sendo que a fiscalização do cumprimento do termo de solução será realizada por meio de monitoramento, segundo a regra do artigo 243, do Regimento Interno do Tribunal. 

Sem dúvida, a criação do instrumento da SSC pelo TCU é mais um importante passo para que haja a consolidação e o aperfeiçoamento de vias alternativas e mais eficientes para a solução de disputas envolvendo entes públicos. Embora ainda recente, a concepção de um procedimento dessa natureza no âmbito de um órgão de controle, passa, ao menos em princípio, uma mensagem absolutamente positiva quanto à intenção e ao comprometimento dos gestores públicos em otimizar a resolução de situações de conflitos que se arrastam por anos a fio, sempre em grave prejuízo do interesse público. 

Essa mensagem positiva, no entanto, poderia ser mais efetiva, caso tivessem sido adequadamente acomodados os interesses e os direitos dos particulares: chama a atenção que os particulares eventualmente envolvidos nos casos que poderão ensejar a solução consensual no âmbito do TCU, não estão incluídos no rol dos legitimados para requerer a instauração do correlato procedimento, conforme a Instrução Normativa.  

Adicionalmente, para além de não estarem autorizados a provocar diretamente a abertura da SSC, tem-se que a própria atuação e participação dos particulares no processo que venha a ser instaurado é nitidamente limitada, já que o art. 7º, § 2º, da Instrução Normativa, estabelece que o órgão “poderá, avaliadas as circunstâncias da respectiva SSC, admitir a participação de representante de particulares envolvidos na controvérsia”.  

Ou seja, conquanto o particular possa estar implicado no caso e ser diretamente afetado, sua presença e participação no procedimento dependerá do crivo do TCU, que tem a faculdade de autorizar seu envolvimento ou não, segundo uma genérica e evasiva previsão de avaliação das “circunstâncias da respectiva SSC”. 

Vale notar que a limitação à participação dos particulares em vias alternativas de resolução de controvérsias no âmbito da administração pública não é propriamente uma novidade: em publicação anterior, tivemos a chance de comentar sobre a criação do Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (CRD-Infra), criado pelo Conselho Nacional de Justiça, que também acaba por cingir a atuação do particular, que não tem legitimidade para propor a inclusão de um caso concreto ao comitê para uma possível discussão e adoção de alternativa consensual.  

Com efeito, tais disposições não podem passar despercebidas, principalmente porque caminham na contramão da segurança jurídica que deveria revestir instrumentos dessa natureza, a revelar, assim, a necessidade aprimoramentos de medidas como a presente. 

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