Implantação de um ERP: Contrato claro e alinhado às expectativas da empresa
A finalização do desenho de solução e do POV [Tem dúviudas? Acesse o artigo sobre o tema aqui] deve culminar na celebração de um contrato alinhado às expectativas da contratante, tanto quanto ao cronograma, como quanto à entrega do sistema que atenda aos requisitos levantados pela empresa.
Isso é importante porque os contratos de fornecimento de gestão empresarial geralmente são celebrados com “escopo fechado”, no qual a fornecedora se comprometerá com a implantação de um produto apto ao uso e a trazer melhoria efetiva aos processos operacionais da empresa, não havendo utilidade num ERP mal implantado, sem as customizações e parametrizações, ou implantado pela metade. Ou ele atende à sua finalidade (os requisitos da empresa) ou não terá utilidade.
A esse respeito, destaca-se que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o serviço de implantação de software para gestão empresarial é uma obrigação de resultado, de maneira que “se o novo sistema não cumpre sua finalidade específica, fica configurado verdadeiro inadimplemento da obrigação”:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE SOFTWARE EMPRESARIAL. IRRESIGNAÇÃO SUBMETIDA AO NCPC. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. EXTINÇÃO DO NEGÓCIO E PEDIDO DE PERDAS E DANOS. EXECUÇÃO DA DÍVIDA PELA PARTE CONTRÁRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO VERIFICADA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CUMPRIMENTO PARCIAL NÃO CONFIGURADO. POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO QUE SE IMPÕE COMO CONSECTÁRIO NATURAL. PERDAS E DANOS AFASTADOS, PORQUE NÃO COMPROVADO O NEXO CAUSAL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
- Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
- A discussão posta em causa diz respeito ao (des)cumprimento de um contrato firmado entre UNIVERSAL e TOTVS para desenvolvimento e implementação de software para gestão empresarial integrada.
- Não se configura negativa de prestação jurisdicional quando o órgão julgador examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à sua apreciação na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.
- A prestação deficitária ou incompleta só representa cumprimento parcial da obrigação quando aproveite o credor, do contrário, estará configurado inadimplemento total.
- Uma empresa que encomenda a confecção e implementação de software para gestão integrada de suas atividades produtivas somente tem interesse em um sistema que seja efetivamente capaz de substituir, com vantagem, aquele anteriormente utilizado. Trata-se, portanto, de uma obrigação de resultado.
- Se o novo sistema não cumpre sua finalidade específica, fica configurado verdadeiro inadimplemento da obrigação, e não cumprimento parcial, o que enseja o desfazimento do negócio jurídico.
- O pedido de perdas e danos não pode ser acolhido, porque não comprovado o nexo causal entre a conduta inquinada e os prejuízos alegados.
- O restabelecimento das partes ao estado anterior, que se impõe como consectário da resolução do contrato, impede a execução da confissão de dívida firmada em razão do mesmo negócio jurídico.
- Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 1.731.193/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 22/9/2020, DJe de 25/9/2020.)
Portanto, isso significa que a fornecedora do ERP deve entregar o sistema funcionando, capaz de desempenhar as funcionalidades com as quais se comprometeu, e substituir de maneira útil eventual outro ERP que esteja em operação na empresa contratante. Enquanto isso não ocorrer, o contrato não pode ser considerado cumprido.
Assim, constatado o mau funcionamento do ERP, o direito garante ao contratante a prerrogativa de pleitear a restituição das perdas e danos suportados e a rescisão do contrato, nos termos dos arts. 389 e 475 do Código Civil:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Além disso, para que exista segurança quanto ao que significa cumprir com o escopo do contrato, imprescindível que a contratação esteja alinhada com o que foi indicado no levantamento das necessidades do negócio e no desenho de solução:
Levantamento:
Empresa diz o que quer.
Desenho de solução:
Fornecedora explica como vai fazer.
Contrato:
Fornecedora se compromete a entregar.
Todavia, a despeito desses cuidados parecerem simples, são frequentes as ações judiciais que versam, por exemplo, sobre uma empresa que ao contratar a implantação de um ERP por determinado preço, no decorrer do contrato se vê compelida a fazer pagamentos extras para que o software seja implantado e customizado para atender às especificidades da sua operação.
Em muitos desses casos, mesmo após pagamentos adicionais, geralmente exigidos pela contratada sob o pretexto de que haveria supostos serviços extras ou customizações que não estariam previstas em contrato, o ERP ainda assim não funciona, deixando de atender como deveria aos processos e tarefas diárias inerentes ao funcionamento da empresa.
Isso ocorre porque cláusulas ambíguas e contratos mau redigidos podem muitas vezes originar cobranças adicionais por parte de fornecedores e implantadores de ERP.
Desta forma, o trabalho de redigir e negociar os termos de um contrato de ERP não é tarefa simples, exigindo cuidados por parte dos seus redatores e revisores, que precisam saber especificar o que é relevante, da forma mais objetiva e clara possível, garantindo que os requisitos específicos do negócio fiquem claros na definição do escopo do contrato, sendo imprescindível que a empresa contratante de um ERP conte com um advogado especializado para essa atividade.
A especialização na área é fundamental, já que, assim como em qualquer outro ramo da atividade humana, a prática permite, no caso específico da implantação de ERP, que o profissional da área jurídica faça uma análise mais aprofundada dos termos contratuais, identificando cláusulas ambíguas ou omissões que poderiam ser utilizadas pelos fornecedores/implantadores para tentar exigir pagamentos adicionais não previstos inicialmente, por exemplo.
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