Incidente de desconsideração da personalidade jurídica como norma de observância obrigatória
Código de Defesa do Consumidor não dispensa instauração do incidente para atingir patrimônio de empresas do mesmo grupo econômico
Por Camila Oliveira
Em julgamento recente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, deu provimento a recurso (Recurso Especial nº 1.864.620/SP), cuja relatoria coube ao Ministro Antonio Carlos Ferreira, para reconhecer a necessidade de prévia instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para que empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da executada sofra constrição patrimonial – mesmo em casos em que se aplica o Código de Defesa do Consumidor.
No caso concreto, a discussão se iniciou a partir da interpretação atribuída ao artigo 28, § 2º, do CDC[1] – que permite a desconsideração da personalidade jurídica pelo juiz, ficando abarcadas pela regra as empresas do mesmo grupo econômico. O Juízo de 1º grau, em decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), autorizou a penhora online nas contas bancárias de uma empresa que não participou do processo de conhecimento e não integrava o cumprimento de sentença, mas que fazia parte do mesmo grupo econômico da empresa executada. Isso tudo, cumpre esclarecer, sem a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, prevista nos artigos 133 e seguintes, do CPC.
Isso porque, segundo entendimento adotado pelo TJSP, “Em se tratando de empresas do mesmo grupo societário, todas são ex lege obrigadas subsidiária e mutuamente pelos débitos uns dos outros, nos termos do art. 28, § 2º, do CDC. Assim, basta que a devedora principal não tenha bens disponíveis a solver o débito para que as demais integrantes do grupo possam ter seu patrimônio atingido”.
O STJ, no entanto, entendeu que essa responsabilidade civil subsidiária não exclui a necessidade de observância das normas processuais, especialmente as garantidoras ao contraditório e da ampla defesa, concluindo pela necessidade de “prévia observância dos procedimentos específicos da desconsideração da personalidade jurídica”, concluindo que “o incidente de desconsideração é norma processual de observância obrigatória, como forma de garantir o devido processo legal”.
Além disso, foi reconhecido que o “Tribunal de origem, ao entender ser suficiente o mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não participou da fase de conhecimento, penhorando o crédito da recorrente sem prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, violou o disposto nos arts. 28, § 2º, do CDC e 133 a 137 do CPC”.
O julgamento em questão tem clara relevância, principalmente para uniformizar a interpretação a ser dada ao artigo 28, § 2º, do CDC, nos tribunais pátrios que, até o presente momento, ainda divergem sobre a sua aplicação e a necessidade, ou não, de instauração do incidente de desconsideração para atingir patrimônio de empresas do mesmo grupo econômico da empresa executada em caso de aplicação do direito consumerista, resultando na segurança jurídica que se espera do Judiciário.
[1] “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
[…] § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.”
Veja também: O status das medidas atípicas no processo de execução
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