Minoritários podem ajuizar ação por mudança legal e prejuízo em Estatais?
Por Ruy Dourado, Bruna Ramos Figurelli e Júlia Trindade de Sá, sócio e advogadas do Dourado & Cambraia, respectivamente.
Conforme amplamente divulgado, no dia 13 de dezembro, às vésperas do recesso parlamentar, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.896/2022 (“PL nº 2.896/2022”) que propõe alterações na Lei nº 13.303/2016 (“Lei das Estatais”) no que diz respeito a gastos com publicidade e, especialmente, vedações a serem observadas na indicação para o conselho de administração e para a diretoria.
No texto final encaminhado para a votação do Senado, propõe-se a redução, de 36 meses para 30 dias, do período de quarentena dos indicados para cargos de administração e diretoria que tenham participado de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.
A despeito das justificativas do Deputado Federal Felipe Carreras (PSC/PE) quando da apresentação da emenda ao PL nº 2.892/2022, as especulações midiáticas se dão no sentido de que a análise da questão pelo Congresso Nacional em regime de urgência decorreu da indicação de Aloizio Mercadante – que coordenou a campanha eleitoral do governo eleito – para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).
A aprovação das alterações pela Câmara dos Deputados não foi bem recebida pelo mercado que avaliou a medida como prejudicial à governança das empresas estatais e aos planos de combate à corrupção anteriormente implementados.
Não por outro motivo, já no dia seguinte à votação, foi possível verificar os reflexos da medida nas empresas estatais federais listadas na bolsa de valores[1]. Nesse sentido, a partir da análise dos dados disponibilizados pela B3 sobre cada uma das empresas[2], o valor das ações das sociedades de economia mista de capital aberto sob controle direto da União sofreu significativo impacto, conforme se verifica abaixo:
Empresa | Valor da Ação[3]
13.12.2022 |
Valor da Ação[4]
14.12.2022 |
BANCO DA AMAZÔNIA S/A – BAZA | R$ 50,68 | R$ 45,60 |
BANCO DO BRASIL S/A – BB | R$ 33,81 | R$ 30,49 |
BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A – BNB | R$ 72,00 | R$ 72,00 |
CENTRAIS ELET BRAS S.A. – ELETROBRAS | R$ 42,93 | R$ 40,21 |
PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRAS | R$ 27,57 | R$ 23,61 |
TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A – TELEBRAS | R$ 15,43 | R$ 14,37 |
Para além disso, não se pode excluir outras consequências de ordem prática que podem vir a impactar a economia nacional, como o ajuizamento de ações de reparação pelos acionistas minoritários que venham a ser prejudicados pela perda de patrimônio.
Sobre a questão, é importante relembrar que a Lei das Estatais, em seu artigo 15, prevê a responsabilidade do acionista controlador pelos atos praticados com abuso de poder, nos termos da Lei de Sociedades Anônimas (“LSA”) e, em seu § 1º, garante aos demais sócios, isto é, os acionistas minoritários, a adoção de medidas reparatórias, independentemente de autorização da assembleia geral.
O Decreto nº 8.945/2016, que regulamenta a Lei das Estatais, em seu artigo 26 prevê expressamente que a pessoa jurídica que controla a empresa estatal tem deveres e responsabilidades do acionista controlador e deverá exercer o poder de controle no interesse da empresa, e em respeito ao interesse público que justificou sua criação.
A análise de eventual abuso de poder por parte da União caso seja definitivamente aprovado o PL nº 2.896/2022 é de especial importância, uma vez que as incertezas e os riscos à governança nas sociedades de economia mista podem desestimular o investimento neste modelo societário, na contramão do interesse público para o desempenho da atividade econômica ou para a prestação dos serviços públicos.
Portanto, ainda que o enquadramento da questão como abuso de poder econômico nos termos do artigo 117 da LSA, demande análise preliminar da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e dos tribunais pátrios, não se pode desconsiderar o ajuizamento de ações de reparação, prevista no artigo 246 da LSA, como possível reação dos acionistas minoritários aos prejuízos que podem vir a ser enfrentados.