O STJ e o efeito liberatório do depósito judicial
por Thales Romano Coelho
Diversas razões levam à realização de depósitos judiciais em processos de execução. Afinal, não só o devedor pode efetuar um depósito judicial voluntariamente para pagar o débito ou oferecer garantia de sua impugnação ao montante cobrado, como o depósito judicial pode ser involuntário, resultante de penhoras de valores nas contas do devedor.
De qualquer forma, a legislação não responde quais são os efeitos desses depósitos judiciais sobre a mora do devedor, não indicando como devem ser calculados os encargos moratórios em caso de pagamento parcial ou em caso de demora na liberação do montante em saldo de conta judicial ao credor.
Consequentemente, a questão resolveu-se na jurisprudência, levando o Superior Tribunal de Justiça, em 2014, no julgamento do Recurso Especial 1.348.640/RS, a firmar tese no sentido de que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.
Em função desse posicionamento, disseminou-se o entendimento de que, uma vez depositado o valor (ou parte dele), seriam afastados os encargos moratórios (como juros e correção monetária) sobre o montante depositado. Ou seja, se o depósito judicial não fosse integral, apenas eventual saldo credor, depois de compensado o depósito judicial, poderia ser acrescido de encargos.
Todavia, no final de 2022, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.820.963/SP, alterou seu posicionamento, passando a entender que o depósito judicial não libera o devedor da mora, posicionando-se no sentido de que, “na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.
Conforme se depreende da tese recente, ao indicar que os depósitos judiciais feitos a título de garantia ou decorrentes de penhora não isentam o devedor de encargos moratórios, o STJ passou a diferenciar os efeitos dos depósitos judiciais feitos com intenção de pagamento dos demais. A respeito disso, a Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso que estabeleceu o posicionamento mais recente da corte e autora do voto vencedor, indicou que “somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada”.
Em razão dessa diferenciação, o Tribunal passou a entender que os valores depositados judicialmente com finalidades que não o pagamento do débito, não liberam o devedor de pagar encargos sobre valor total devido, calculados “até que ocorra a efetivação da quantia [depositada] ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica de valores”. Assim, no entendimento da corte, a compensação do depósito judicial (e de eventuais acréscimos ao saldo da conta judicial pagos pelo banco) com o valor do débito, deve ocorrer apenas quando os valores forem efetivamente pagos.
Por fim, ressalte-se que a alteração de posicionamento não ocorreu em decisão unânime. Muito pelo contrário, foram sete votos a favor e seis contra, vencidos os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo e Francisco Falcão.
No voto que abriu a divergência, o Min. Paulo de Tarso Sanseverino trouxe diversos argumentos contrários à tese da Min. Nancy Andrighi. Em síntese, defendeu-se no voto divergente que (i) eventual demora no levantamento de depósito judicial efetuado em garantia não pode ser atribuída ao devedor, motivo pelo qual o devedor não poderia ser punido com a continuidade da contabilização dos encargos moratórios; (ii) os depósitos judiciais já são remunerados pelas instituições financeiras
Não obstante, o aludido Ministro defendeu em seu voto divergente que a revisão do posicionamento anterior poderá tornar os processos de execução mais demorados. Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, ao afastar os efeitos liberatórios dos depósitos feitos em garantia, não resta qualquer estímulo para os devedores depositarem valores judicialmente, e ao admitir-se que os encargos moratórios são contados até o efetivo levantamento dos depósitos, as execuções não seriam encerradas até que eventuais diferenças residuais entre os saldos dos depósitos e os valores das dívidas sejam quitados.
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