A Resolução ANTT 6.040/24 e o uso dos Dispute Boards em discussões contratuais
Em publicações anteriores, tivemos a chance de tratar da evolução crescente de novas vias alternativas de resolução de controvérsias no âmbito da administração pública, como, por exemplo, a criação do ‘Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura – CRD-Infra’, do CNJ e da ‘Solicitação de Solução Consensual’ – SSC, de iniciativa do TCU.
No âmbito do Ministério dos Transportes, foram criados grupos de trabalho para buscar soluções consensuais especificamente para os contratos de concessão de rodovias em processo de relicitação ou caducidade, assim como a Portaria 848/23, que foi responsável por estabelecer procedimentos para “readaptação e otimização de contratos de concessão” que estejam enfrentando crises – vide: Avanços nas soluções consensuais para as concessões rodoviárias e A Portaria 848/23 do Ministério dos Transportes e a “readaptação” dos contratos de concessão de rodovias.
Mais um avanço recente foi trazido especificamente no âmbito da ANTT, por meio da Resolução n° 6.040/2024, que alterou a Resolução n° 5.845/2019 (“Dispõe sobre as regras procedimentais para a autocomposição e a arbitragem no âmbito da ANTT”) para introduzir os comitês de prevenção e solução de disputas entre a agência e seus regulados – os chamados Disputes Boards.
Segundo a Resolução, os Disputes Boards serão formados por três membros – um indicado pela ANTT, um indicado pela concessionária e outro escolhido de comum acordo para atuar como presidente – e poderão ser constituídos para tratar de discussões que envolvam direitos patrimoniais disponíveis relacionados às seguintes matérias de cunho técnico: (i) execução de serviços e obras, inclusive soluções de engenharia mais adequadas às finalidades do contrato, e respectivo orçamento; (ii) adequação de obras e serviços aos parâmetros exigidos pela regulação e pelo contrato, e respectivo orçamento; (iii) avaliação de ativos e cálculo de indenizações; e (iv) ocorrência de eventos que impactem o cumprimento das obrigações nos termos assumidos no contrato, incluindo o cálculo dos impactos financeiros decorrentes desses eventos.
De outro lado, expressamente estabelece que os Boards não poderão tratar dos seguintes temas: (i) divergências que envolvam questões de cunho estritamente jurídico, como a matriz de riscos e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão; (ii) divergências relacionadas à validade e à legitimidade dos atos praticados pela ANTT no exercício de sua atividade fiscalizatória e regulatória; e (iii) divergências relacionadas à legalidade de normas regulatórias produzidas pela ANTT.
Aqui vale ressaltar que, mesmo a Resolução mencionando que os Dispute Boards não poderão versar sobre a matriz de risco e o equilíbrio econômico-financeiro – certamente os assuntos mais recorrentes nos debates surgidos nos contratos administrativos –, seu art. 26-A, § 3º, inciso I, dispõe sobre a possibilidade da “submissão de conflitos relativos aos aspectos factuais subjacentes a essas questões”, o que acaba por abrir uma certa margem para debates desses temas ainda que de forma indireta.
A norma ainda estabelece que as decisões dos comitês poderão ter natureza vinculante ou recomendatória, observando-se o disposto no contrato, e que os Boards poderão assumir as seguintes formas: (i) comitê permanente: constituído no início do contrato, permanecendo vigente em toda a extensão temporal do contrato ou até a emissão de decisão ou recomendação sobre matéria submetida durante a vigência do contrato; (ii) comitê temporário: constituído com prazo limitado a um período da vigência do contrato, relacionando-se a um grupo específico de obrigações ou a uma fase predeterminada de investimentos, extinguindo-se após o exaurimento dos procedimentos aplicáveis às decisões emitidas; e (iii) comitê ad hoc: constituído para tratar controvérsias específicas, extinguindo-se após o exaurimento dos procedimentos aplicáveis à decisão que gerou a sua constituição.
Importante dizer que os Dispute Boards poderão ser adotados mesmo em contratos de concessão já existentes, bastando a inclusão de um termo aditivo com essa finalidade. E a norma também autoriza sua utilização em disputas já em curso, por meio da celebração de um instrumento autônomo entre as partes.
Não há como negar que a ANTT vem renovando sua intenção de aprimorar e regulamentar seus contratos com métodos alternativos de resolução de conflito, como forma de abreviar disputas e litígios, tudo em prol da eficiência e celeridade que só beneficiam o interesse público e a própria segurança jurídica. O que se espera, sem prejuízo, é que essa válida postura consiga de fato dialogar com as demandas e discussões enfrentadas no cotidiano dos contratos públicos, para que os resultados positivos sejam verificados na prática.
Por Bruna Figurelli
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