06/09/24 D&C Atualiza

STJ define que árbitro não está vinculado ao Código de Processo Civil

Em 21 de agosto de 2024, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), de forma unânime, e sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, deu provimento ao REsp 1.851.324/RS para reformar o acordão que havia mantido sentença que anulou sentença arbitral, proferida pela Câmara de Comércio Internacional (“CCI”), por alegada inobservância, pelo árbitro, do princípio da imparcialidade.

O caso da anulação da sentença arbitral

O fato-chave utilizado para subsidiar a anulação da sentença arbitral, na origem, foi a relação contratual mantida entre uma das partes e o intérprete de língua chinesa, responsável por traduzir o depoimento de duas testemunhas durante audiência de instrução. A condição de intérprete, preposto da parte requerida na ação anulatória, foi apontada como uma suposta violação dos artigos 134, 135 e 138 do Código de Processo Civil (“CPC”), que tratam do impedimento e da imparcialidade.

No julgamento, todavia, a Terceira Turma do STJ reconheceu a higidez da sentença arbitral, afastando a aplicação subsidiária automática do CPC, mediante dois argumentos basilares.

Primeiramente, reconheceu-se que a Lei de Arbitragem estabelece, de forma exaustiva, quais situações serão regidas pelo Código de Processo Civil, de sorte que não seria possível sustentar que as regras do processo judicial desempenhariam qualquer papel além daquele expressamente previsto na Lei 9.307/1996 (“Lei de Arbitragem”), mesmo que houvesse alguma omissão relevante.

Diante de tal cenário, o entendimento do STJ negou que o art. 5º da Lei de Arbitragem obrigue as partes a preverem exaustivamente cada circunstância ou situação que pode se configurar no curso de um processo arbitral, pois, caso contrário, seria necessário (i) identificar quais regras do Código de Processo Civil teriam poder sobre cada um desses cenários hipotéticos, e posteriormente (ii) substituí-las por regras acordadas pelas partes. Essa exigência inviabilizaria o processo arbitral e desvirtuaria seus atrativos de celeridade e eficiência, haja vista que as normas procedimentais de câmaras arbitrais, bem como a interação entre partes e árbitros, seriam suficientes para resolver quaisquer lacunas.

Flexibilidade no processo arbitral

Em segundo lugar, e de forma a solucionar/remediar qualquer situação imprevista, o STJ pontuou que o processo arbitral é dinâmico, participativo e flexível, ou seja: no caso concreto, o significado prático disso é que as partes podem colaborar com o tribunal arbitral para a adaptação das regras do processo ao caso concreto, sem possibilidade de, posteriormente, questionarem sua validade.

No julgamento, o STJ ainda ressaltou que a parte autora da ação anulatória não se opôs, à época, à nomeação de intérprete que sabia ser preposto da parte contrária, apesar de ter demonstrado estar ciente deste fato, e tampouco questionou a higidez e a confiabilidade das traduções imediatamente após sua produção, mesmo tendo sido conferida a possibilidade para tanto, em amplo respeito ao contraditório. Ou seja, o procedimento se desenvolveu nos exatos termos do que foi convencionado e anuído entre as partes.

Autonomia da vontade e segurança jurídica na arbitragem

Como se observa, por meio do julgado analisado, mais uma vez o STJ afastou tentativa descabida de anulação de sentença arbitral, impedindo a inadequada aplicação subsidiária de regras formais do CPC ao procedimento arbitral, de modo a garantir segurança jurídica ao instituto da arbitragem, reconhecer sua flexibilidade e a prevalência da autonomia da vontade das partes.

Por Vitor Mattteucci Ippolito

arbitragem no STJ

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