12/07/24 Contencioso em Foco

STJ decide que a violação do dever de revelação não gera anulação automática da sentença arbitral

Nas últimas duas décadas, a arbitragem se firmou no Brasil como um mecanismo confiável de resolução de disputas, indispensável para o desenvolvimento econômico e para a segurança jurídica das relações comerciais. O Brasil é, hoje, o segundo país no ranking mundial da Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional em número de procedimentos arbitrais.

Nada disso seria possível sem a contribuição decisiva do Poder Judiciário, especialmente de suas Cortes Superiores.

A ausência de violação à ordem jurídica brasileira pela mera escolha da arbitragem[1], a impossibilidade de o Judiciário reexaminar o mérito da sentença arbitral[2], a equiparação entre as sentenças arbitral e judicial e o consequente cabimento de multa em caso de descumprimento de sentença arbitral[3], o princípio da Kompetenz-Kompetenz e a competência prioritária do árbitro para decidir a respeito da existência, validade ou eficácia do compromisso arbitral[4] são todos exemplos de temas que garantiram a eficácia e segurança jurídica do instituto da arbitragem e que se sedimentaram no ordenamento jurídico graças aos precedentes emanados do Superior Tribunal de Justiça.

No mesmo sentido dessa evolução jurisprudencial que prima pela eficácia e segurança jurídica do instituto, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 2101901/SP, ocorrido em 18.06.2024, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, reconheceu, no âmbito de ação declaratória de nulidade de sentença arbitral, que cabe ao Poder Judiciário analisar o cumprimento do dever de revelação de forma subjetiva, exercendo “uma verificação casuística sobre o que não foi revelado, a fim de decidir se a omissão feriu a independência e a imparcialidade do árbitro para, somente então, declarar a nulidade da sentença”.

Ou seja, reconheceu a Colenda Turma que a identificação de falha no dever de revelação não geraria a automática anulação da sentença arbitral, sendo necessária a avaliação a respeito da relevância dessa omissão e respectivo impacto na imparcialidade e independência do árbitro.

Nesse sentido, salientou a Relatora em seu voto que o fato não revelado apto a anular a sentença arbitral precisa demonstrar abalar a independência e imparcialidade do árbitro, não bastando alegações subjetivas desprovidas de relevância no que se refere aos seus impactos. Assim, segundo o julgado, “a falha no dever de revelação e a imparcialidade do árbitro não se confundem”, sendo a falha no dever de revelação apenas um elemento que, a depender da situação fática, poderia ou não levar à conclusão de parcialidade.

No julgamento, reconheceu-se ainda que o entendimento estaria em linha com as diretrizes do International Bar Association e que o exame subjetivo da imparcialidade do árbitro não representaria análise do mérito da sentença arbitral, mas um exame de pressuposto processual subjetivo da validade da relação processual.

Ademais, a despeito de reconhecer que a imparcialidade do árbitro se trata de questão de ordem pública, destacou o acórdão que deve ser observada a boa-fé por parte de quem a alega.

Diante da relevância do tema, o Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr teve seu ingresso deferido para atuar como amicus curiae.

Não é a primeira vez que o Superior Tribunal de Justiça analisa o impacto do dever de revelação na validade de uma sentença arbitral. O julgamento, no entanto, foi relevante para estabelecer parâmetros mais claros em que medida o descumprimento do dever de revelação é capaz de anular a sentença arbitral e especialmente refutar a ideia de que a falha no dever de revelação, por si só, geraria a necessária anulação da sentença arbitral. O julgamento intimida o ajuizamento de ações anulatórias por insatisfação com seu resultado, chancelando mais uma vez a eficácia e segurança jurídica do instituto da arbitragem.

Dever de revelação

Por Sofia Becker Patrício Lima e Marina Xavier Bazilio

[1] SEC 507/GB, Rel. Ministro GILSON DIPP, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/10/2006, DJ 13/11/2006, p. 204

[2] SEC 856/GB, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/05/2005, DJ 27/06/2005, p. 203

[3] REsp 1102460/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/06/2015, DJe 23/09/2015

[4] AgInt no REsp 1746049/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020

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