Do mercado de arte: dos direitos dos artistas
O Dourado & Cambraia Advogados assumiu a defesa de uma renomada artista plástica estrangeira, com obras expostas em diversos museus conceituados ao redor do mundo, como o MoMA em Nova York, o Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Genebra, o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, o Museu de Arte Moderna de Luxemburgo e o Museu Guggenheim Bilbao, na Espanha. A artista, ao longo de aproximadamente oito anos, teve uma relação comercial com uma expoente galeria nacional, mas, ao final de 2019, após a denúncia do contrato, a galeria foi acometida por uma inundação, a qual foi responsável por destruir todas as obras da artista que ainda estavam pendentes de devolução, dando início a uma série de tratativas negociais entre as partes para a resolução da indenização que seria devida.
Nesse cenário de controvérsia em relação ao montante que seria devido à artista, o Escritório foi procurado para auxiliar no ajuizamento de uma ação indenizatória, a fim de que fosse reconhecido o direito da artista de receber o valor integral pago pelo seguro contratado pela galeria quanto às obras destruídas. Sabe-se que a maioria dos contratos celebrados entre artistas e galerias possui uma natureza de representação/agência (com fundamento nos artigos 710 a 721 do Código Civil), ou estimatória (conforme artigos 534 a 537 do Código Civil), mas a controvérsia estabelecida entre as partes foi além dessa dupla natureza, pois dispunha sobre a extensão dos direitos da artista à indenização paga pela seguradora, na medida em que a relação entre as partes havia se encerrado em 2019.
A galeria defendia que a natureza da relação entre eles era de um contrato estimatório e, assim, poderia reter parte da indenização recebida do seguro tratando o recebimento desses valores como se fosse uma “venda”. Por sua vez, a tese defendida pela artista era de que a partir da denúncia do contrato a relação entre as partes era de mero depósito, cabendo guardá-las até restituição à artista ou indenizá-la perante o perecimento daquelas.
Ao se debruçar sobre o tema, o Judiciário reconheceu aplicável o artigo 636 do Código Civil, o qual estabelece que o depositário é obrigado a restituir ao depositante o que recebera como indenização no lugar da coisa perdida, bem como que no momento da inundação a galeria apenas detinha as obras de arte que foram destruídas e, consequentemente, não poderia dispor livremente. Reconheceu-se, ainda, que qualquer dedução ou lucro por parte da galeria, sem que tais valores fossem devidos por força de lei, implicaria em manifesta violação ao princípio da reparação integral (art. 194 CC) e enriquecimento ilícito (art. 884 do CC).
Nestes termos, restou reconhecido o dever de indenização integral pela galeria do preço de mercado atribuído às obras de arte que foram destruídas, sem qualquer possibilidade de dedução de valores em seu favor, além do direito à indenização por danos morais in re ipsa, os quais são presumidos diante da destruição das obras de arte pela notória violação aos direitos da artista. A sentença, ao coibir de forma muito bem fundamentada a postura imprópria da Galeria, mostra-se uma importante contribuição do Poder Judiciário Brasileiro para a proteção das relações entre artistas e galerias, as quais muitas vezes são regidas por contratos verbais e sem maiores formalidades.
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