STF flexibiliza o regime de separação total de bens para pessoas com mais de 70 anos
STF julga constitucionalidade do art. 1.641, inciso II, do CC e torna opcional o regime de separação total de bens
Na última quinta-feira, 1º de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal julgou, por unanimidade, a constitucionalidade do artigo 1.641, inciso II do Código Civil. Fixou uma tese de repercussão geral, estabelecendo que “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública” (ARE 1309642[1] – Tema 1236).
A mencionada disposição legal, em sua atual redação, impõem o regime de separação total de bens para pessoas maiores de 70 anos. Isso significa que os bens dos cônjuges ou companheiros não se comunicam e, na eventualidade de dissolução do casamento ou união estável, ou evento morte, não são passíveis de partilha.
A tese estabelecida pelo STF, conforme o voto do Ministro Roberto Barroso, reflete a necessária atualização da legislação em consonância com os novos costumes da sociedade brasileira, notadamente o aumento da expectativa de vida da população.
Vale ressaltar que, na promulgação do Código Civil de 2002, a expectativa de vida do brasileiro era de 70 anos, de acordo com o DATASUS[2]. Assim, a redação original do inciso II do artigo 1.641 instituia a obrigatoriedade da separação total de bens para os maiores de 60 anos.
Já em 2010, a expectativa de vida do brasileiro aumentou para 73 anos[3], mesmo ano em que o dispositivo foi alterado pela Lei nº 12.344/2010, passando a dispor sobre a “pessoa maior de 70 (setenta) anos”.
Mesmo que o texto legislativo permaneça inalterado, mantendo a redação atual do inciso II do artigo 1.641 do Código Civil, a tese de repercussão geral fixada pelo STF, aplicável a todos os casos a partir de sua publicação, reflete não apenas o aumento da expectativa de vida (que atingiu a média de 75 anos[4] em 2022), mas também as mudanças nos costumes da sociedade moderna.
O Ministro Roberto Barroso destacou entender que o texto vigente viola os princípios constitucionais da dignidade humana e igualdade, bem como os direitos relativos ao reconhecimento da união estável e o estatuto do idoso. Ele enfatizou a importância de a interpretação e aplicação da lei acompanharem a evolução da sociedade sem mitigar a proteção do idoso.
A violação da Constituição Federal ocorreria ao impedir que a pessoa maior de 70 anos escolha seu regime de bens, presumindo sua incapacidade absoluta simplesmente por ser idosa na concepção legal. No entanto, a fixação da tese não aniquila a proteção ao idoso. Pelo contrário, ao flexibilizar a obrigatoriedade do regime de separação total de bens para maiores de 70 anos, o STF estabeleceu uma trava de proteção: a regra geral só pode ser alterada com a expressa manifestação da vontade do idoso, por meio de escritura pública, sobre o regime de bens desejado ao contrair matrimônio ou constituir união estável.
Essa medida, além de representar uma atualização da interpretação da legislação vigente e reconhecer a autonomia de vontade do idoso, visa também a reduzir o número de processos judiciais buscando o reconhecimento de união estável com partilha de bens. Na ausência de disposição em sentido contrário, devidamente averbada, impõe-se o regime de separação total de bens para essas pessoas.
[1] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6096433.
[2] Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2006/a11t.htm.
[3] Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14135-asi-em-2010-esperanca-de-vida-ao-nascer-era-de-7348-anos#:~:text=12%2F2011%2008h01-,Em%202010%2C%20a%20esperan%C3%A7a%20de%20vida%20ao%20nascer%20no%20Brasil,sobre%20o%20indicador%20de%202000.
[4] Disponivel em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38455-em-2022-expectativa-de-vida-era-de-75-5-anos.
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