10/11/23 D&C Atualiza

A Portaria 848/23 do Ministério dos Transportes e a “readaptação” dos contratos de concessão de rodovias

Por Bruna Ramos Figurelli

Já abordamos em publicações prévias, a evolução crescente de novas vias alternativas de resolução de controvérsias no âmbito da administração pública, seja com a criação do ‘Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura – CRD-Infra’, do CNJ, da ‘Solicitação de Solução Consensual’ – SSC, de iniciativa do TCU e, ainda, dos grupos de trabalho criados pelo Ministério dos Transportes e que buscam soluções consensuais especificamente para os contratos de concessão de rodovias em processo de relicitação ou caducidade – vide nossos textos publicados em 01.11.22, 28.02.23 e 07.06.23.

Particularmente no que se refere aos contratos de concessão de rodovias, o Ministério dos Transportes, recentemente, editou a Portaria 848/2023, que estabelece procedimentos para “readaptação e otimização de contratos de concessão” que, sabidamente, enfrentam grave crise. A edição da norma ocorreu na esteira do posicionamento favorável do TCU (Acórdão nº 1593/2023) à possibilidade de as concessionárias desistirem dos processos de relicitação que, em razão de suas exigências excessivamente onerosas e morosas, acabaram não evoluindo – tanto que nenhuma devolução amigável se concretizou desde a edição da Lei n° 13.448/17.

Assim, a Portaria traz uma série de regras para viabilizar a celebração de um aditivo a permitir essa “readaptação” dos contratos, merecendo destaque as seguintes previsões: (i) necessidade de demonstração da “vantajosidade” da alteração contratual; (ii) atualização e modernização contratual à política pública vigente; (iii) renúncia de todos os processos judiciais, administrativos e arbitrais existentes; (iv) início imediato de execução de obras de manutenção e restauração de pavimento e sinalização, no primeiro ano do aditivo; (v) previsão de ciclo de execução de sinalização e restauração de pavimento, de natureza estrutural, em até três anos, nos trechos que apresentem parâmetros inferiores ao estabelecido; (vi) tarifa de pedágio menor que as previstas nos estudos em andamento ou da média dos estudos em andamento já levados à audiência pública; (vii) como garantia da execução das obras, deve ser previsto um período de transição de, no mínimo, três anos, com execução de obras e serviços suficientes para garantir a qualidade, fluidez e segurança da rodovia, sendo que durante esse período, deverão ser proibidas a distribuição de dividendos aos acionistas e a transferência de controle acionário.

Analisando as condicionantes listadas acima, não há como deixar de notar que algumas delas podem representar verdadeiros entraves para a efetivação dessa via de solução consensual.

À primeira vista já salta aos olhos a exigência de renúncia de todos os processos judiciais, administrativos e arbitrais que estejam em curso. Ainda que a finalidade da regra seja garantir um ambiente isento de conflitos entre as partes para a formalização do aditivo, na prática, esse requisito coloca o parceiro privado na delicada posição de desistir de suas discussões sem qualquer tipo de ressalva, renunciando a pretensões que, via de regra, envolvem pontos sensíveis de ordem técnica e com grande repercussão financeira para os projetos. Trata-se de uma imposição que traz nítida insegurança aos players e pode acabar por frustrar uma repactuação.

Outro ponto sensível e que também pode representar um óbice à readequação dos contratos, diz respeito às exigências para haja um início “imediato” das obras, ainda no primeiro ano do aditivo, com sinalização e restauração de pavimento em até três anos e, ainda, com tarifa de pedágio reduzida. Difícil imaginar que uma concessionária já em dificuldades tenha condições de assumir compromissos como esses que, naturalmente, exigem um esforço de caixa e investimentos; como se não bastasse, a tornar a posição do contratado ainda mais difícil, a Portaria ainda estabelece que no período de transição para garantia dos compromissos, fica proibida a própria distribuição de dividendos aos acionistas.

Com essas breves linhas, o que pretendemos ressaltar é que, conquanto a Portaria em questão possa representar mais um passo importante à consolidação de alternativas para a solução consensual das discussões entre particulares e entes públicos no bojo das concessões rodoviárias, a norma em questão traz um rígido rol de premissas e exigências materiais e formais que podem, na prática, acabar por inviabilizar o seu propósito de “readequação” dos contratos. Daí porque sua aplicação demanda aprimoramento, assim como a interpretação de seus termos deve ocorrer de forma cautelosa e ponderada.

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